Transtornos alimentares são doenças psiquiátricas que podem atingir pessoas de qualquer idade, sexo, orientação sexual e classe social . Caracterizam-se por alterações no relacionamento com a comida tornando o ato de comer e de se relacionar com o próprio corpo disfuncional e geralmente estão associados a outros transtornos mentais como transtorno de ansiedade generalizada, depressão, transtorno bipolar, transtorno de personalidade bordeline. Podem levar a grandes prejuízos biológicos e psicológicos, além de aumento na morbidade e mortalidade.
Na contemporaneidade, devido ao culto excessivo à imagem e ao corpo, esses transtornos alimentares atingem principalmente as pessoas mais jovens. De um lado, um grande prazer em comer e de outro, um medo aterrorizante de engordar.
A puberdade é uma época em que as meninas estão especialmente vulneráveis a essas doenças, em função das mudanças hormonais, corporais, insegurança e grande necessidade de aceitação. Os fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares ainda são maiores quando essas jovens vivem em um ambiente familiar em que haja uma mentalidade voltada à prática de dietas, preocupação excessiva com a forma física e com a alimentação.
A cultura do emagrecimento
Por outro lado, o acesso a informações de boa e má qualidade é livre e com isso não faltam informações sobre dietas, alimentos proibidos e dicas para emagrecimento. Suplementos, alimentos milagroso, super alimentos, medicamentos com promessas de promoverem a perda rápida de peso fazem do mercado do emagrecimento muito lucrativo, pois é um produto que, se não funcionar, a culpa pode ser atribuída ao próprio consumidor. Com esse apelo a indústria lucra e a pessoa busca a cada novo produto, a cada nova estratégia o emagrecimento tão desejado.
O emagrecimento é objeto de consumo de grande parte da população mundial em especial no Brasil, devido ao apelo estético, à exposição de corpos sarados nas praias, revistas e redes sociais. Um corpo com gorduras expostas é um corpo a ser modificado e não aceito socialmente.
A gordura e a obesidade são combatidas em nome da saúde e, assim, forma-se o estigma de um corpo gordo, sempre vítima de piadas, bullying, preconceitos e julgamentos. Tal preconceito esconde-se atrás do apelo da saúde de muitos profissionais da área que andam muito ocupados combatendo a gordura mas acabam esquecendo da saúde mental.
Crescemos entendendo que devemos estar dentro de um certo peso ideal e que devemos evitar alguns tipos de alimentos com excesso de açúcar e gorduras. Cada época tem o seu vilão e o vilão da vez é o carboidrato.
A comida é essencial para a sobrevivência humana e é também muito saborosa, o que pode ser um problema para quem tem pensamentos rígidos de perfeição corporal e alimentar, pois a comida acaba se tornando vilã e muitas vezes indesejada. Claro que essa é a apenas a ponta do iceberg pois por baixo existem conflitos emocionais mal resolvidos que acabam sintomatizando na relação com o corpo e com a comida.
Fatores de risco
A princípio precisamos entender que os transtornos alimentares possuem etiologia multifatorial, ou seja, sofrem influências de fatores biológicos, socioculturais, familiares e psicológicos.
Além de ser do sexo feminino, outros fatores de risco para transtornos alimentares são o histórico de obesidade na infância, hereditariedade, questões psíquicas como baixa autoestima, perfeccionismo, acentuada autocritica, dificuldades em se relacionar com outras pessoas, dificuldade em lidar com problemas e ligação emocional excessiva com a mãe.
Depressão, transtornos de ansiedade e outros transtornos de personalidade também estão entre os fatores de risco. O tipo de ocupação profissional também pode ser um fator desencadeador de TAs, especialmente naquelas atividades onde há uma alta exigência estética como é o caso de atletas de ginástica olímpica, bailarinas, patinadores, fisioculturistas, bem como estudantes de nutrição, medicina e psicologia.
Além das pré-disposições citadas, algumas situações servem como gatilhos para o inicio de transtornos, como, por exemplo, a fase da puberdade, devido a todas as transformações biológicas que causam alterações na forma do corpo, sexualidade e no funcionamento cerebral.
Psicologicamente também é uma fase vulnerável devido às inseguranças típicas do período, da necessidade de aceitação social e da estranheza que causa o desenvolvimento de um novo corpo. Soma-se a isso a problemática da mídia e das redes sociais que promovem uma glamorização da magreza e atualmente, a isenção de desarmonias e imperfeições corporais e faciais.
Alguns fatores reforçam a doença, como os próprios sintomas e as consequências de uma desnutrição que afeta a parte cognitiva do paciente. A diminuição crescente de alimentos causa alterações hormonais, metabólicas e cerebrais que tornam a pessoa tolerante ao transtorno.
Na anorexia, por exemplo, ocorre uma adaptação metabólica que reduz o metabolismo a fim de manter a vida, conservando o máximo de energia possível: hormônios sexuais ficam reduzidos, temperatura, frequência cardíaca e pressão arterial diminuem, e ocorre uma redução nas funções dos órgãos.
Crenças distorcidas sobre alimentação, como a de que açúcar é veneno, carboidrato engorda e não pode ser consumido à noite, gordura da comida vira gordura no corpo, alimentos e alimentação “limpa”, colesterol é ruim e mata, por exemplo, ajudam a manter e tornam mais difícil o combate à doença, uma vez que muitas delas são propagadas por profissionais da saúde.
Métodos purgativos como uso de laxantes e diuréticos e provocação de vômitos podem ser usados por pessoas com transtorno alimentar com intuito de emagrecer, mas essa ideia é errada pois nenhum deles causam esse efeito.
Os vômitos provocam perda hídrica, de eletrólitos, bem como de alguns nutrientes essenciais para o funcionamento do organismo. O ato de vomitar também agride todo o sistema digestivo, principalmente o gástrico.
O uso de laxantes promove irritação no intestino e prejudica a microbiota intestinal, que é essencial para uma boa saúde e imunidade. Além disso, o intestino se acostuma com a substância passando a funcionar exclusivamente sob o seu estímulo, causando tolerância e a necessidade de ingestão cada vez maior para que se consiga evacuar.
A evacuação é aumentada de volume devido à quantidade de água necessária para expulsar a substância - tóxica para o nosso organismo - do laxante. Assim, a pessoa perde água e pode ter a sensação de ter emagrecido. O emagrecimento não ocorre pois a absorção de nutrientes ocorre em uma etapa anterior da digestão, localizada no intestino delgado.
Os diuréticos agem nos rins fazendo com que o corpo elimine mais água do que o normal e muitos deles promovem a perda de potássio. Assim como acontece com os laxantes, o corpo também se adapta ao diurético e passa a requerer doses cada vez maiores, além de não promover o emagrecimento, mas sim, a desidratação.
Como a aceitação social está bastante ligada à imagem, também torna-se fator de risco. O estigma de um corpo gordo e a associação da gordura corporal com a preguiça e falta de cuidado fazem com que a estética corporal vire objeto de desejo para que a pessoa se sinta mais aceita na sociedade. Muitas vezes isso ocorre no âmbito mais micro, como em casa, onde as cobranças costumam começar.
Às meninas e mulheres é cobrado um corpo magro, porém definido por músculos. Gordurinhas não são bem vistas enquanto aos homens a cobrança é por um corpo forte e com músculos mais definidos.
Sendo os transtornos alimentares influenciados pelo psiquismo, os homens também sofrem bastante pois não costumam ter habilidades e nem espaço para a expressão de sentimentos, o que facilita o desenvolvimento de um transtorno alimentar.
Dieta é fator de risco. Isso não significa que todo mundo que faz dieta desenvolverá um transtorno alimentar, mas é importante observar que todo transtorno alimentar começa com uma dieta - lembrando que as causas para o desenvolvimento da doença são multifatoriais.
Da mesma forma, nem toda pessoa que tem preocupação com a comida tem um transtorno alimentar, mas todo transtorno alimentar envolve uma preocupação doentia com a comida.
Comer transtornado
Mesmo sem desenvolver um transtorno alimentar que se enquadre nos critérios diagnósticos definidos pelo DSM V (o manual diagnóstico e estastístico de transtornos mentais, elaborado pela Sociedade Americana de Psiquiatria) algumas pessoas apresentam relação conturbada com a comida e com o corpo onde há muito sofrimento. Esses casos são chamade de "comer transtornado", ou seja, a pessoa tem a mentalidade de dieta (ainda que não a faça), come com culpa, faz compensações e sente que o assunto ocupa grande parte de seus pensamentos.
Tipos de transtornos alimentares
Os principais transtornos alimentares são anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar, sendo o primeiro o mais perigoso. Todavia, grande parte dos transtornos alimentares são chamados TANE (transtornos alimentares não especificados) que incluem quadros parciais de anorexia e bulimia nervosa
A anorexia caracteriza-se por perda de peso acentuada, medo intenso de ganhar peso ou ficar gordo, mesmo quando apresenta baixo peso, ou comportamentos persistentes que impedem a recuperação do peso; forma de vivenciar o corpo deturpada afetando a autoestima e negação da gravidade da perda de peso.
São classificadas em subtipos: restritivo e purgativo, onde na primeira há restrição de alimentos e uso de métodos não purgativos para redução de peso, e na segunda, restrição alimentar e uso de métodos purgativos para acelerar a perda de peso, como indução ao vômito, uso de laxantes e diuréticos.
Bulimia nervosa é caracterizada por recorrentes episódios de compulsão alimentar , seguidos de comportamentos compensatórios – vômitos induzidos, uso de laxante, diuréticos, jejum – a fim de evitar o ganho de peso. Os episódios de compulsão alimentar ocorrem quando há ingestões de grande quantidade de comida em um curto período de tempo
O transtorno de compulsão alimentar caracteriza-se pela ingestão de grande quantidade de comida (muito maior do que a maioria das pessoas comeria em circunstancias parecidas) em curto período de tempo (até duas horas), associadas a sensação de descontrole do que está sendo ingerido e sentimento de inadequação e culpa, sem comportamentos compensatórios.
Há outros transtornos alimentares que não estão ligados à imagem corporal, como o transtorno restritivo evitativo (TARE) e o transtorno de ruminação.
Todos os transtornos alimentares envolvem sofrimento psíquico e as consequências não são apenas psicológicas, mas também físicas e mentais.
A anorexia nervosa tem risco de morte, pelo quadro crônico de desnutrição e os indíviduos são acometidos de prejuízos na saúde importantes. A bulimia pode ter como consequência ganho de peso e complicações gastrointestinais, pela corrosão do ácido, enquanto o transtorno de compulsão alimentar têm maior risco de obesidade e de promover o desenvolvimento de doenças da síndrome metabólica (diabetes, hipertensão etc).
O tratamento para os transtornos alimentares requer acompanhamento multiprofissional, necessitando de psiquiatra, psicólogo e nutricionista.
O tratamento nutricional visa o resgate do equilíbrio alimentar e nutricional, reeducação
nutricional. Abordagens como TCC aplicada à nutrição, mindfuleating, comer intuitivo, dentre outras são efetivas, pois são maneiras diferentes de promover a mudança de comportamento começando pelo individuo.
Soraya Costa
Nutricionista Comportamental e Psicanalista
CRN 20926
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